Brasília,
a capital do Brasil, inaugurada em 21 de abril de 1960, continua sendo uma das
mais belas e a mais moderna cidade do país. Mas a sua história começa
há mais tempo do que a maioria das pessoas imaginam.
O
Começo do Sonho
Desde
a época do Brasil Colônia, já se pensava em construir uma nova
capital.
O Brasil tinha um imenso território e, além das escaramuças de piratas e contrabando de pau-brasil, muitas nações européias foram tornando constantes os seus ataques à costa brasileira, desafiando a Coroa Portuguesa.
De nada valeram os esforços de D. João III em tentar criar um sistema
de policiamento da costa do Brasil. Os ataques estrangeiros foram ficando cada
vez mais frequentes e revelavam a intenção de algumas nações
em ocupar partes do território brasileiro.
Basta lembrar que Salvador, a primeira capital do Brasil, sofreu diversos ataques de piratas ingleses e foi tomada pelos holandeses liderados pelo almirante Willenkens.
Basta lembrar que Salvador, a primeira capital do Brasil, sofreu diversos ataques de piratas ingleses e foi tomada pelos holandeses liderados pelo almirante Willenkens.
Aos poucos, alguns brasileiros começaram a perceber que o Brasil estava de costas para o Brasil. Era um povo agrupado no litoral, lançando um olhar nostálgico para o continente europeu.
Surgiriam, então, as primeiras
vozes a defender a interiorização do país. Uma nova capital, no interior
do Brasil, teria muito mais segurança longe do litoral
e dos ataques de canhões das naus inimigas.
Essa idéia foi defendida pelo Marquês de Pombal, em 1761. A Inconfidência
Mineira, em 1789, já demonstrava a insatisfação dos brasileiros
com a Coroa portuguesa e um anseio latente por um processo de interiorização
do Brasil.
Entre os planos dos inconfidentes estava a transferência da capital
do Rio de Janeiro para São João Del Rei. Em 1808, o jornalista Hipólito
José da Costa defendia a independência política do Brasil
e fundou no exílio, em Londres, o jornal "Correio Braziliense".
Hipólito
José da Costa pregava a mudança da capital para o interior do país,
que ele chamava de "paraíso terreal".
A Independência do Brasil, em 1822, trouxe mais ânimo para os defensores da interiorização.
Na Assembléia Constituinte de 1823, José Bonifácio defendeu
a construção de uma nova capital que, segundo ele, seria uma grande
chance de estimular a economia e o comércio. Essa foi a tese que José
Bonifácio apresentou no documento que se intitulou "Memória
sobre a necessidade e meios de edificar no interior do Brasil uma nova capital".
José
Bonifácio chegou a sugerir dois nomes para a nova cidade, que ele imaginou
no Planalto Central: Petrópolis e Brasília.
O diplomata e historiador
Francisco Adolfo de Varnhagem, Visconde de Porto Seguro, também foi outro
importante defensor da mudança da capital. Ele chegou a realizar estudos
e também concluiu que a região do Planalto Central seria o local
ideal para a nova capital.
Em
1891, na elaboração da primeira constituição republicana,
a transferência da capital voltou a ser discutida. Foi aprovada a emenda
do deputado catarinense Lauro Müller, que estabeleceu a demarcação
de uma área no Planalto Central de 14 mil quilômetros para a construção
da nova capital da República.
Aquele foi o primeiro passo constitucional
para a mudança. Mas, se você acompanhar os próximos capítulos,
verá que houve uma longa jornada, cheia de acidentes políticos,
que percorreram a Primeira e a Segunda República.
A
Assembléia Constituinte de 1891 aprovou a emenda do deputado Lauro Müller,
que propunha a mudança da capital para o interior do país. Coube
então ao novo governo republicano organizar uma missão de reconhecimento
e demarcação da área do futuro Distrito Federal.
O diretor
do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, Luís Cruls,
foi encarregado de chefiar a missão.
Primeiras
Concretizações
Em
9 de Junho de 1892, os vinte e dois membros da missão Cruls partiram de
trem, com destino a Uberaba, Minas Gerais. Eles levavam quase dez toneladas de
equipamentos, como lunetas, teodolitos, sextantes, barômetros e material
fotográfico para demarcar a área da futura capital no Planalto Central.
A partir de Uberaba, a expedição seguiu em cavalos e mulas, passando
por Catalão, Pirenopólis e Formosa. A missão formada por
biólogos, botânicos, astrônomos, geólogos, médicos
e militares percorreu mais de quatro mil quilômetros.
Foram
sete meses de muitas caminhadas e trilhas percorridas a pé ou em mulas,
descobrindo a imensidão do Planalto Central do país.
Através
dos relatórios da Missão Cruls, o Brasil pôde, pela primeira
vez, conhecer em detalhes o clima, o solo, os recursos hídricos, minerais,
a topografia, a fauna e a flora do Planalto Central. Cruls destacou a qualidade
do solo pesquisado, suas possibilidades para a agricultura e fruticultura e também
o clima da região.
"É inegável que até hoje o
desenvolvimento do Brasil tem-se sobretudo localizado na estreita zona de seu
extenso litoral, salvo, porém, em alguns dos seus Estados do sul, e que
uma área imensa de seu território pouco ou nada tem se beneficiado
com este desenvolvimento. Existe
no interior do Brasil uma zona gozando de excelente clima com riquezas naturais,
que só pedem braços para serem exploradas."
O
Arquivo Público do Distrito Federal mantém os documentos originais da expedição.
É emocionante verificar os diários, as anotações e
dados científicos misturados a pequenos bilhetes de amor dos integrantes
da missão endereçados às suas esposas e namoradas.
O
Presidente Epitácio Pessoa, amparado na constituição
de 1891, lança a pedra fundamental da nova capital do Brasil, no Morro
do Centenário, em Planaltina, no estado de Goiás.
O
Presidente atendia ao pedido de alguns deputados, entre eles um de nome bastante
curioso: Americano Brazil, que disse: "a pedra fundamental, em Planaltina,
é um alento para a fibra adormecida do ideal nacional." Americano
Brazil seguiu sua cruzada, discursando no Congresso Nacional em defesa da mudança
da capital. Ele
até lançou um título para a dura caminhada "rumo ao
Planalto." Mas nada aconteceu durante um longo tempo.
Era Juscelino
No
dia 2 de outubro de 1956, pousou numa pista improvisada, no Planalto Central, um
avião da FAB trazendo o Presidente Juscelino Kubitscheck. Na comitiva presidencial
estavam o Ministro da Guerra, General Lott, o Governador da Bahia, Antonio Balbino,
o Ministro da Viação, Almirante Lúcio Meira, o arquiteto
Oscar Niemeyer, a diretoria da Novacap e ajudantes do presidente.
Eles foram recepcionados
pelo Governador de Goiás, Juca Ludovico e por Bernardo Sayão. O
avião aterrisou às 11:45h, numa manhã de outubro.
Olhando
as fotografias daquele ensolarado dia, dá para imaginar o desafio que se
apresentava aos olhos do Presidente: o vasto e imenso horizonte de um cerrado
virgem, longe de tudo e de todos, sem estradas, sem energia ou sistemas de comunicação.
Juscelino,
em seu livro "Por que construí Brasília", conta que "de
todos os presentes, o General Lott era o que se mostrava mais desconcertado.
Distanciado-se
dos presentes, deixou-se ficar à beira da pista. O presidente lembra em
sua obra: "
Ao me aproximar dele, não se conteve e perguntou: O senhor vai mesmo construir
Brasília, Presidente ?"
Juscelino
escreveu no livro de ouro de Brasília: "Deste Planalto Central, desta
solidão em que breve se transformará em cerébro das mais
altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã
do meu país e antevejo esta alvorada, com uma fé inquebrantável
e uma confiança sem limites no seu grande destino".
A
primeira visita do Presidente Juscelino Kubitschek ao Sítio Castanho, escolhido
para sediar a futura Capital, não foi apenas simbólica. Na ocasião,
foram determinados o local para construção do aeroporto de Brasília,
a restauração e melhoria das estradas para Goiânia e Anápolis,
a construção das estradas entre os canteiros de obras, dos prédios
provisórios para os operários e a elaboração do projeto
do Palácio da Alvorada.
Mas,
antes da conclusão do projeto do Alvorada, um grupo de amigos de Juscelino
resolveu
presentear o Presidente com uma residência provisória no
Planalto.
Nascia,
assim, o "Catetinho", primeiro prédio de Brasília, um
palácio de tábuas projetado por Oscar Niemeyer.
O
nome veio do diminutivo do palácio presidencial no Rio, Palácio
do Catete. Niemeyer elaborou um projeto simples, apenas com o uso da madeira e
que pudesse ser executado em dez dias. Apesar da simplicidade de seu projeto,
o Catetinho traz os traços da arquitetura moderna brasileira.
É
como se Niemeyer tivesse criado uma maquete de sua futura e imensa obra na Capital.
O Catetinho é um símbolo dos pioneiros, um palácio de tábuas,
mas que serviu como a primeira residência de Kubitschek e foi também
a primeira sede do Governo na Capital. Foi construído próximo à
sede da antiga Fazenda do Gama, onde Juscelino descansou e tomou o seu primeiro
cafezinho no Planalto.
Houve
quem acreditasse em Brasília e, tão logo a notícia se espalhou,
surgiria na poeira do cerrado um herói anônimo: o candango. A expressão
candango, que no ínicio teve um tom pejorativo, aos poucos, passou a ser
a marca dos pioneiros que se engajaram na aventura de construir Brasília.
A
nova capital abria a chance de uma vida melhor. Os candangos foram chegando e
erguendo barracos e casas de madeira na cidade provisória. Em dezembro
de 1956 eram apenas mil habitantes; em maio de 1958 já havia mais de trinta
e cinco mil.
O
movimento era frenético, jipes e tratores cortando o cerrado. Um trabalho
duro, sem domingo nem feriado. Israel Pinheiro organizou suas equipes de trabalho
com uma disciplina de guerra. Dia e noite, sol ou chuva, Brasília não
parava.
No
dia 19 de setembro de 1956, foi lançado o edital para o concurso do plano
piloto, que estabelecia o prêmio de um milhão de cruzeiros para o
autor do projeto vencedor.
A nova capital nascia sob o signo de uma grande aventura e havia a expectativa de se encontrar um projeto que imprimisse a contemporaneidade e a ousadia esperada de Brasília.
Sonho
realizado
Cabe lembrar que a arquitetura moderna brasileira despontara a partir de 1927
com a construção da primeira casa modernista de Warchavchik, em
São Paulo. Rino Levi, Lúcio Costa, Álvaro Vital Brazil, o
polêmico Flávio de Carvalho e Oscar Niemeyer deram grande impulso
à criação da arquitetura moderna no país.
Era
grande a influência das idéias de arquitetos como Mies Van der Rohe,
Frank Loyd Wright, Gropius e, sobretudo, o grande mestre Le Corbusier, que teve
imensa importância na formação e avanço da moderna
arquitetura no Brasil.
Até
o dia 11 de março de 1957, a comissão julgadora do concurso tinha
recebido 26 projetos, num total de 63 inscritos. Dentre os jurados estavam o arquiteto
Oscar Niemeyer, um representante do Instituto de Arquitetos do Brasil, outro do
Clube de Engenharia do Brasil, bem como o urbanista inglês William Holford,
o francês André Sive e o americano Stamo Papadaki. Havia projetos
ousados e até mesmo curiosos como o de M.M.M Roberto, que previa uma cidade
construída em sete módulos circulares com 72.000 habitantes em cada
módulo.
No
projeto de Rino Levi, Cerqueira Cezar e Carvalho Franco, seriam construídos
superblocos de 300 metros de altura, que abrigariam 288.000 pessoas.
O projeto
escolhido foi o de Lúcio Costa, que nasceu do gesto primário de
quem assinala um lugar, promovendo o encontro de dois eixos. Um conceito simples
e universal.
Lúcio
Costa foi o vencedor, não pelo seu detalhamento, que era pobre perto de
outros concorrentes, que apresentaram maquetes, croquis e estatistícas,
mas pela concepção urbanística e pela fantástica descrição
de seu estudo. Não deixa de ser curioso que num concurso urbanístico,
as palavras tenham vencido o detalhamento técnico.
Mas Lúcio Costa tratava as palavras com a precisão de um poeta,
era a obra de um ser livre que se permitiu sonhar. O próprio Lúcio
Costa destaca, entre os "ingredientes" da concepção urbanística
de Brasília, as lembranças dos gramados ingleses de sua infância,
das auto-estradas americanas, dos altiplanos da China e da brasileríssima
Diamantina.
Lúcio Costa planejou uma Brasília moderna, voltada para
o futuro, mas ao mesmo tempo "bucólica e urbana, lírica e funcional".
Ele eliminou cruzamentos para que o tráfego dos automóveis fluísse
mais livremente, concebeu os prédios residenciais com gabarito uniforme
e construídos sobre pilotis para não impedir a circulação
de pessoas.
Uma
cidade rodoviária com amplas avenidas e vasto horizonte, valorizando o
paisagismo e os jardins. O plano de Lúcio Costa foi, contudo, vago no que
se referia à expansão imobiliária e à criação
de bairros operários.
Ele diz na memória descritiva do Plano Piloto:
deve-se impedir a enquistação de favelas tanto na periferia
urbana quanto na rural. Cabe à Companhia Urbanizadora prover, dentro do
esquema proposto, acomodações decentes e econômicas para a
totalidade da população.
Não
foi preciso que muitos anos se passassem para que surgissem problemas ligados
à habitação popular que, durante a própria construção
da capital foram chamados de invasões e se multiplicaram.
Todos os dias,
novos barracos eram erguidos na chamada Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante,
e também próximos aos canteiros de obras. Os operários, que
trabalhavam na construção da cidade, não pretendiam abandonar
a Capital depois de sua inauguração.
As
cidades satélites não surgiram como fruto de um plano detalhado,
conforme o que regia a
construção do Plano Piloto, mas pela urgência imposta pelas invasões. Em junho de 1958, nascia a primeira cidade satélite, propriamente dita: Taguatinga, construída às pressas para abrigar 50.000 pessoas, em sua maioria operários com suas famílias.
construção do Plano Piloto, mas pela urgência imposta pelas invasões. Em junho de 1958, nascia a primeira cidade satélite, propriamente dita: Taguatinga, construída às pressas para abrigar 50.000 pessoas, em sua maioria operários com suas famílias.
As
Satélites, aos poucos, se transformariam em importantes centros econômicos.
Depois de Taguatinga, Israel Pinheiro iniciou a construção de outras
Satélites: Sobradinho, Paranoá e Gama.
Durante
três anos, Brasília viveu um ritmo de trabalho alucinante. O Presidente
Juscelino Kubitscheck vistoriava as obras pessoalmente com Israel Pinheiro.
Os
partidos de oposição alegavam que Brasília não ficaria
pronta no prazo e insistiam para que adiassem a transferência da Capital.
Brasília,
vencendo os prognósticos pessimistas da oposição, foi inaugurada em 21
de abril de 1960, com toda pompa que a capital merecia .
Hoje,
Brasília é uma bela cidade como no sonho de um homem que um dia
vislumbrou o futuro de olhos bem abertos.
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