Ninguém se preocupa em ter uma vida virtuosa, mas apenas com quanto tempo poderá viver. Todos podem viver bem, ninguém tem o poder de viver muito.

Sêneca

sábado, 2 de abril de 2011

José Alencar, o mito

Assim como o papa João Paulo II, José Alencar escolheu sofrer em público. Ambos poderiam ter deixado seus cargos, no momento em que não tinham mais condições de exercê-los normalmente.

É um tipo de escolha que envolve coragem, mas talvez não seja uma boa escolha.

O espetáculo do fim é sempre triste, e a todo momento alguém está travando sua batalha final. Transformar um cargo público em ponto de encontro para a solidariedade geral pode ser legítimo, mas pode ser também pura amplificação do sofrimento.

José Alencar será lembrado, principalmente, como um vice-presidente que lutou contra um câncer. Isto pode lhe dar uma dimensão heróica, mas embaça sua biografia política.

Qual terá sido a importância política de José Alencar? Eis uma pergunta de difícil resposta.

Depois de uma trajetória pouco relevante como senador – mandato conseguido com a força do empresário –, Alencar ficou conhecido por fazer chapa com Lula: era a união do capital com o trabalho.

Na realidade, essa suposta união de classes nunca passou de um slogan – mais um fetiche exaustivamente explorado pelo populismo.

Lula se tornou palatável às “elites” graças à guinada que deu contra os princípios sectários do PT. Todo o acordo para o respeito às instituições, e as garantias de que não haveria revanchismo “social”, foram costurados por Palocci e Dirceu.

José Alencar não teve importância nesse acordo de paz entre “o capital e o trabalho”.

Ao contrário, ao longo de seus oito anos de mandato, o vice-presidente escolheu uma trincheira de “governo de oposição” – atacando sistematicamente alguns pilares da política econômica, e fazendo uma suposta cruzada contra os juros altos.

Nesse particular, nem é possível dizer que Alencar chegou a fazer de fato uma campanha, já que apenas repetia seu bordão contra os juros, sem nada propor. Chegou a declarar que, se fosse presidente, baixaria os juros por decreto – o que só pode ser levado a sério pelos xiitas do PSTU.

Na política, José Alencar viveu de sua biografia empresarial – o garoto pobre que enriqueceu trabalhando de maneira honesta. Um belo exemplo.

Mas alçá-lo à galeria dos líderes políticos não é honesto. Uma das causas perversas da exploração do trabalho pelo capital, no Brasil, é a esdrúxula estrutura tributária, pela qual o Estado garfa a produção privada. Não se tem notícia de uma ação clara do ex-vice-presidente da República contra esse absurdo.

O papel realmente vivido por José Alencar, em oito anos de governo, foi o do empresário amigo do operário presidente.

Como mitologia, muito interessante.

Fora isso, fica a solidariedade ao homem que lutou bravamente pela vida – como tantos outros lutam, longe dos holofotes.

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